quarta-feira, março 29, 2006

Amanhã começo...

Às vezes, não olhamos bem em nossa volta, quando andamos na rua… E eu começo a achar que tenho perdido pormenores importantes! As imagens fotográficas da realidade quotidiana tornaram-se uma parte querida das minhas memórias mais antigas. Agora pareço querer barrar a entrada a novas imagens.

Deve ser coisa da idade, mas ultimamente dou por mim a caminhar de olhos no chão… concentrada em desenhos geométricos e restos de pastilhas elásticas, como se o Mundo pudesse acabar, por eu não os olhar devidamente. Pareço ridícula? Pareço-me ridícula…

Há uns tempos defini-me como anti-social. É um termo como qualquer outro, com a sua dose de imprecisão, mas o rótulo caiu-me por terra quando alguém achou que eu “tenho jeito para lidar com as pessoas”… Começo a achar estranha esta contradição, entre aquilo que eu me sinto, e aquilo que as pessoas me acham…

Sou anti-social, embora não saiba o que significa isso em termos absolutos. Sou anti-social pela minha tendência em evitar os outros. Só! Tenho medo de entrar sozinha num autocarro, de perguntar a alguém o caminho mais curto, de chamar o empregado de café… Assusta-me falar com quem não conheço, na minha cabeça todos me observam de cima a baixo e me julgam, em dois segundos!

Mas não… eu tenho “jeito” com as pessoas. Qual jeito? O jeito de conseguir trocar duas palavras e um sorriso com as pessoas que conheço? Isso não é mais do que o mínimo e indispensável… Se, à partida, conheço a reacção de quem me está a ouvir, não me sinto minimamente constrangida…

O meu problema é com o Mundo, não com a minha aldeia!

Deve vir daí a minha nova tendência de caminhar de olhos no chão. Raio de medo de enfrentar o Mundo! É algo que eu estou a tentar contrariar.

Hoje, aproveitei o facto de ir sozinha, numa cidade que é quase fantasma aos domingos, para olhar em volta. E senti saudades… pela senhora que andava no jardim a arrancar ervas, pelo homem que ia ensinar a filha a andar de bicicleta, pelos miúdos que se juntavam ao sol, em bandos, pelos velhotes que jogavam a sueca no café…

Saudades de quê? Não sei, saudades de outras imagens, aquelas que entravam em magotes pela alma: magustos intermináveis, com todos os homens a jogar as cartas, a minha mãe, sempre em cuidado com as suas flores, a minha primeira bicicleta, uma geringonça que se desmontava sozinha, as saídas de casa para ir sabia Deus aonde, no banco de trás, a conhecer o mundo pela voz do meu pai…

Talvez o meu caminho desta tarde me tenha ajudado a ganhar coragem. Se eu não tinha medo naqueles dias, guiada pela sabedoria dos meus pais, porque é que vou começar a tê-lo agora, que me posso guiar pelas minhas descobertas, pelas minhas experiências?

Amanhã começo…

domingo, março 05, 2006