Acordo.
Abro os olhos a custo, colados pela força de lágrimas que não me lembro de ter chorado. A claridade exterior cega-me, tenta-me a cerrar olhos de novo. Resisto.
A claridade brota das paredes, do tecto, do chão onde me encolho, e atinge-me, penetra as minhas roupas, os meus poros. Tudo branco. Brancas as paredes, branco eu, ligados por fios luminosos, imaginários, que me prendem onde estou.
Não me lembro como cheguei aqui. Não consigo perceber sequer por onde entrei, onde está a ponta do véu branco que cobre tudo. A náusea apodera-se de mim, mais do que o medo. Confusão, só.
Não há nada que me situe neste espaço indefinido, e até as minhas memórias parecem começar a esfiapar-se em branco.
Agarro-me ao que resta delas. Preciso reconhecer pormenores coloridos, com sombras e movimentos. Quero cores definidas e separadas, o que quer que seja que me afaste desta mistura de tudo que é o branco.
E começo a ver. Vejo. Faço crescer à minha volta um jardim colorido, todos os tons de verde para uma relva que quase consigo pisar, as gradações mais raras de todos os amarelos, vermelhos, azuis para formar flores e frutos de odores fortes... e um céu de azul profundo acima de mim, acima de tudo, que me deixasse fugir.
Há agora um conforto colorido na minha cabeça. Instalo-me mentalmente neste jardim, aconchego ao peito as flores que mais amo, começo a vê-lo crescer para lá da minha imaginação.
E deixo-me ir. Já não há náusea, há encantamento. Com um piscar de olhos posso tornar o que me rodeia noutra coisa qualquer... e a sensação de poder fascina-me.
Acabo por perceber que não estou acordado. Que me vi fechado na caixa branca dos meus sonhos. E que sonhei em paz, como não fazia há muito.
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Afinal, será assim que construímos os nossos sonhos?