terça-feira, outubro 10, 2006

De que são feitos os sonhos?

Acordo.
Abro os olhos a custo, colados pela força de lágrimas que não me lembro de ter chorado. A claridade exterior cega-me, tenta-me a cerrar olhos de novo. Resisto.
A claridade brota das paredes, do tecto, do chão onde me encolho, e atinge-me, penetra as minhas roupas, os meus poros. Tudo branco. Brancas as paredes, branco eu, ligados por fios luminosos, imaginários, que me prendem onde estou.
Não me lembro como cheguei aqui. Não consigo perceber sequer por onde entrei, onde está a ponta do véu branco que cobre tudo. A náusea apodera-se de mim, mais do que o medo. Confusão, só.
Não há nada que me situe neste espaço indefinido, e até as minhas memórias parecem começar a esfiapar-se em branco.
Agarro-me ao que resta delas. Preciso reconhecer pormenores coloridos, com sombras e movimentos. Quero cores definidas e separadas, o que quer que seja que me afaste desta mistura de tudo que é o branco.
E começo a ver. Vejo. Faço crescer à minha volta um jardim colorido, todos os tons de verde para uma relva que quase consigo pisar, as gradações mais raras de todos os amarelos, vermelhos, azuis para formar flores e frutos de odores fortes... e um céu de azul profundo acima de mim, acima de tudo, que me deixasse fugir.
Há agora um conforto colorido na minha cabeça. Instalo-me mentalmente neste jardim, aconchego ao peito as flores que mais amo, começo a vê-lo crescer para lá da minha imaginação.
E deixo-me ir. Já não há náusea, há encantamento. Com um piscar de olhos posso tornar o que me rodeia noutra coisa qualquer... e a sensação de poder fascina-me.
Acabo por perceber que não estou acordado. Que me vi fechado na caixa branca dos meus sonhos. E que sonhei em paz, como não fazia há muito.
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Afinal, será assim que construímos os nossos sonhos?

domingo, outubro 08, 2006

Constipação

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.
Fernando Pessoa
E este é um retrato fiel dos últimos dias... de uma constipação mais curada a teimosia e a vontade de sair da cama do que a medicamentos... A primeira deste Inverno, e espero que a última, para bem de quem convive comigo... as dificuldades em aturar uma Nandita engripada são muito maiores do que as de aturar a Nandita versão standard...
Um grande atchim para vocês ;)