quinta-feira, novembro 26, 2009

Lá dizia o Dylan...

I am against nature. I don't dig nature at all. I think nature is very unnatural. I think the truly natural things are dreams, which nature can't touch with decay.

Bob Dylan in Robert Shelton, No Direction home, ch. 1, "Kaddish," (1986)

E lá ando eu, a viver os meus sonhos como se fossem eles a realidade. Como uma criança que tem pesadelos depois de ver um filme de terror. A acordar sobressaltada, a procurar provas de que aquilo que acabei de sonhar não aconteceu de facto. Porque vai doer. Se aconteceu, se acontecer ainda, vai doer.
Estes meus sonhos, tudo menos naturais, cansam-me. Já devia conhecer-me o suficiente para lhes resistir, e evitar ver em repeat coisas tão duras, feitas por mim para me magoar. Sádica? Hiper-realista? Ou será só esta consciência fortíssima de mim, de todas as minhas limitações, todos os meus defeitos, que me empurra e me mostra: "não adianta, não és capaz, não mereces, nunca vais conseguir"?

Pelo menos, o dia de hoje deixou as sombras de lado, para me alegrar, talvez para me consolar pelas poucas horas de sono. Para me ajudar a esquecer.

terça-feira, novembro 24, 2009

I'm the hero of the story

Às vezes, basta uma palavra, as pessoas certas na hora certa, um sorriso que adivinhamos sincero, uns minutos de companhia boa ou meia dúzia de parvoíces. São os pequenos prazeres da vida. Fazem-nos sentir menos vulneráveis, e ajudam-nos a vencer os dias.

E depois há aquelas canções em que tropeçamos, quase sem querer... e que ficam no ouvido. E que depois queremos conhecer melhor, e lemos, sentimos, e percebemos que afinal aquela canção estava ali à nossa espera. Como esta.



I'm the hero of the story, don't need to be saved...

Regina Spektor

quinta-feira, novembro 19, 2009

Soundtrack for

...my week.

Porque às vezes também queria ser ninguém (mas só às vezes). E nada como nos deixarmos ir até ao chão, com calma, sem sobressaltos, para depois nos reerguermos. Mais fortes. Isso de certeza. Sempre.



somos a fachada
de uma coisa morta
e a vida como que a bater à nossa
porta
quando formos velhos
se um dia formos velhos
quem irá querer saber quem tinha razão
de olhos na falésia
espera pelo vento
ele dá-te a direcção

ninguém é quem queria ser
eu queria ser ninguém

a idade é oca e não pode ser motivo
estás a ver o mundo feito um velho
arquivo
eu caminho e canto pela estrada fora
e o que era mentira pode ser verdade
agora
se o cifrão sustenta a química da vida
porque tens ainda medo de morrer
faltará dinheiro
faltará cultura
faltará procura dentro do teu ser

ninguém é quem queria ser
eu queria ser ninguém

diz-me se ainda esperas encontrar o
sentido
mesmo sendo avesso a vê-lo em ti
vestido
não tens de olhar sem gosto
nem de gostar sem ver
ninguém é quem queria ser

ninguém é quem queria ser
eu queria ser ninguém

Manuel Cruz, Foge Foge Bandido

domingo, novembro 15, 2009

Fugas

...porque há sempre um momento de incerteza, um pânico que me sobe ao peito, o medo de que me arranques a máscara e todos descubram. Tenho-o escondido tão bem, que quase o escondo de mim, já. E só nestes instantes em que me arrisco é que me apercebo disso. De como tenho sido perfeita nesta tarefa. Mas ali, naqueles segundos, volta tudo. O meu gesto tenso, o passo apressado,a minha voz que se torna trémula e denunciadora, os meus olhos que fogem, que te fogem.

E são esses instantes que se prolongam, e se transformam em horas (às vezes dias). Revejo o passado como num velho livro bafiento, as boas recordações cristalizadas, as discussões e as acusações esborratadas, a perder o sentido. Mas bem marcadas, apesar de quase ilegíveis. Porque a tinta vermelha já perdeu a forma, mas manchou as outras páginas, passou por cima dos sorrisos e da quentura dos abraços...

Custa-me, agora como na primeira noite, uma noite morna de fim de Abril, manter a pose, não denunciar, não dar azo a perguntas a que não quero responder. E manter esta espécie de acordo tácito, mútuo desprezo para que se evite a guerra. Seja, pois, assim. Vai-se-me quebrando o coração aos pouquinhos, aos pouquinhos... mas talvez ninguém note, e é melhor assim. Mesmo evitando a guerra, eu não fiquei em paz. E duvido que tu o tenhas conseguido.