Não sei porquê, mas não consigo encontrar um fim para esta história. Se calhar não merece um fim, ou não precisa... mas poderão vocês ajudar-me a encontrá-lo?
A longa serpente de alcatrão havia reluzido durante todo o dia debaixo de um sol abrasador. Agora, enquanto ele a calcorreava, o calor libertava-se do chão, como se caminhasse em cima de brasas.
Embora a noite estivesse abafada, aqueles vapores quentes eram uma companhia bem-vinda, uma espécie de conforto, enquanto caminhava no meio do nada.
A história deste homem que vemos é, em tudo, muito simples. Dispensa os floreados de um romance de amor, todo o mistério que rodeia um policial: é a história de um homem, e da sua vida.
Aparenta ser jovem, embora se reconheçam no rosto as marcas de um estranho cansaço. As manchas brancas entre o cabelo notam-se ainda mais com o luar, que lhe ilumina o rosto contorcido. Alto, forte, caminha com ar decidido.
Sabemos que se chama António, e que vem calcorreando a estrada desde muito longe. Da mochila que lhe pende dos braços tira de vez em quando uma garrafa com uma aguardente envelhecida, e caminha depois com mais determinação.
Nas suas mãos notam-se manchas escuras, como se o alcatrão da estrada tivesse saltado de repente, para se cravar nos seus membros. Ao luar, percebe-se que é sangue a mancha seca e escura que lhe come as mãos, que ele não tentou sequer esconder ou limpar.
A história simples deste homem começou com este sangue. O que estava para trás? Não interessa, são traços iguais de histórias iguais a todas as outras. Nascimento, crescimento, procriação, por tudo isso passara António, como qualquer outro animal. No seu ciclo terreno faltava só a morte, a dele, porque a morte às suas mãos, essa, já tinha chegado.
António matou um homem por puro tédio (eu não dizia que esta era uma história simples?), quando caminhava pelo bairro mais pobre da cidade. Saiu de uma das muitas casas de putas da zona, com a sua mochila negra cheia de pequenas garrafas, e preparava-se para regressar aos braços fiéis da mulher, quando achou que faltava alguma coisa.
Pela rua andavam ainda algumas meninas, de grossos lábios vermelhos, prontas a dar, a dar-se, em troca da nota do costume. Mas António conhecia-as todas, de todas as noites em que se perdera, gemendo de prazer entre os seus gritinhos bem ensaiados. Definitivamente, faltava alguma coisa! Faltava diversão! Diversão genuína…
Num canto sem luz, abrigado por duas ou três caixas de cartão, estava um homem sentado. A seus pés, um cão tão rafeiro como ele fazia as vezes de guarda real. O quadro patético daquela dignidade patética oferecia-se a António como a diversão suprema.
Da mochila, sacou uma das suas garrafinhas, que escaqueirou na parede. O homem sentado nem pestanejou. António aproximou-se dele e foi desferindo golpes, um, dois, três, na cabeça, no peito, no abdómen… Mas a diversão não chegou. Falhou algo, e António não percebia porque é que o velho mendigo não havia lutado. Estragou-lhe os planos, até na morte manteve a sua dignidade patética.
Humilhado pelo orgulho daquele homem, António afastou-se. As putas e os bêbados em volta eram cegos, imunes a tudo o que se passava na rua, para além do sexo e do dinheiro, e davam-lhe até passagem, continuavam a oferecer-se, sem ver o sangue nem o olhar daquele homem que fracassara.
António continua a caminhar pela longa serpente de alcatrão. Sabe que pode escapar, quem procura um assassino de mendigos? Mas no seu intimo não sabe sequer o que prefere… o que poderá diverti-lo? Que sensações pode buscar para alcançar o prazer? Se o instinto mais primário falhou, e o sexo não o satisfaz, se nem a morte nas suas mãos o excita, para onde pode ir?
A longa estrada vai adiando a resposta…
Podes dar-ma tu?