Tenho a mesa cheia de trabalho. Folhas espalhadas, esquemas, tabelas, imagens, pelo meio de letras minúsculas a darem-se ares de códigos indecifráveis.
No meu lugar cativo no café da rua, a agitação próxima ajuda à concentração. Ajo como se o espaço já fosse meu, peço o café do costume, e estudo.
Desfilam nomes, teorias, métodos... listas intermináveis que urge saber, pessoas e locais que nunca conheci, mas que parecem imprescindíveis ao meu futuro.
Estou cansada disto, do saber falso, feito de engolir e vomitar conhecimentos alheios, a História dos outros.
Encosto-me na cadeira, afundo-me um pouco (é já um hábito), e viajo...
O dia que passa lá fora está cheio de Sol, não parece Inverno, não parece Vila Real. E as pessoas notam-no, saem à rua como em agradecimento.

As manhãs de luz põem-nos sorrisos nos passos. Queria poder caminhar... Sorrio para outras manhãs, outros dias feitos de luz. Afinal, já passou tanto tempo.
O presente não deixa espaço para me encher desta luz. A realidade resume-se aos livros. Antecipo os dias que aí vêm, sem a pressão de hoje. Falta tanto, e na verdade já não falta quase nada.
Volto à Terra. O barulho no café cresce, agrada-me este tilintar constante de copos e chávenas, a conversa amena das senhoras da outra mesa, a correria dos funcionários de lado para lado, que me esquecem porque eu estou sempre aqui.
E os papéis ali. Cheios de notas, sublinhados de desespero, à minha espera. Sempre à minha espera.
Mergulho de novo nas folhas, luto com os nomes, é difícil apropriar-me de tantas pessoas e das suas almas.
Cheia de tudo... vazia de mim.