domingo, março 25, 2007

Noite 1.1

Sentada no meio do café barulhento, vou ouvindo sem escutar as histórias dos meus amigos, que me rodeiam.
Olhos fixos na televisão, sigo com um interesse incomum as séries, a novela, a publicidade, o que quer que seja que passe e me distraia.
Cá por dentro, o barulho do que penso confunde-se com os cânticos e os brindes já desencontrados dos vários grupos bem bebidos que estão no café. Estão a festejar, uns. A esquecer, outros. A tentar conter-me, eu.
Cerro os dentes, vou mordendo os lábios, tento controlar o afluxo súbito de lágrimas nos olhos, por mais uma tolice qualquer que me passou pela cabeça. Consigo. Ninguém deu por nada. Nem percebo o que tenho, de tão estúpida que me sinto.
A conversa segue, animada. Apanho uma anedota a meio, sorrio. Tem efectivamente piada, mas eu não estou lá, não consigo acompanhar as gargalhadas dos outros. Vou seguindo um pouco atrás, só.
O café enche ainda mais, perto da hora de fechar. É ponto de encontro para mais uma noite, ali ao lado. Um rapaz senta-se ao meu lado, mete conversa. Já o conheço de outras noites, mas hoje não consigo trocar mais do que duas palavras com ele. A conversa vazia sobre como fica triste se eu não sair com o pessoal acaba por me irritar, e vou-lhe respondendo em monossílabos e acenos de cabeça. Acabo por pedir desculpa, e levanto-me para pagar. Olho atentamente as garrafas, expostas, a ver se os olhos me secam de novo.
Só o funcionário de sempre me arranca um sorriso largo. “Então que vai ser, princesa?”, pago a despesa triste desta noite e saio.
Mais gente cá fora, estão todos tão alegres que me dou ao direito de os invejar. Espero pelos amigos que também vêm embora, acordo um bocadinho com o frio cortante que está. Noite estranha, para Março. Lágrimas estranhas, para uma noite que se queria alegre.
Sou a pior das companhias, numa noite assim. Vou caminhando em silêncio, tento concentrar-me no céu escuro, nas escarpas desenhadas a luz do rio Corgo. A ponte hoje é excepcionalmente comprida, feita de silêncio. Estou quase em casa, mordo ao de leve os lábios e vou olhando a ponta brilhante dos meus sapatos.
Despeço-me quase em silêncio e subo.
Estou sozinha. Posso chorar. Não vale a pena...

8 comentários:

Anónimo disse...

Por vezes sentimo-nos infelizes, sem que tenhamos razões validas para tal infelicidade, mas apenas porque nos faltam motivos para a felicidade...
Bjtos

Unknown disse...

Conheço bem essas noites e essa ponte de que falas...mal posso esperar para voltar. Conheço bem os sentimentos que referes vividos na minha pessoa, conheço bem tudo o que descreves e no fundo desconheço-me tanto. Conheço a infelicidade que expressas e conheço também o caminho para escapar dela...O facto de escreveres o que sentes é já um primeiro passo...

Fica bem

L. disse...

Perdoa-me a aparente falta de criatividade que qualquer um deveria ser capaz de simular, mas continuas brilhante, e “continuas a ter em ti a leveza de um poeta, amiga. Como te admiro…”

Um beijo para ti,
Com o gosto da terra.

L. disse...

PS - Vários grupos bem bebidos?! Agora sim, quero conhecer esse café! ;)

Anónimo disse...

Nao sei o que se passa, espero que nada de grave. Mas de facto, essas noites conheço-as bem, bem melhor as conhecem as quatro paredes que me rodeiam diariamente.
Para as ultrapassar, nao sei como se faz, mas um dia vou-te dizer baixinho ao ouvido e essas noites vao acabar.
beijocas*

Ghost disse...

Fico triste por ver-te assim e mais ainda por n saber ajudar :( Só espero que a nandita k eu conheço volte depois da Páscoa :) Beijo

Conta Coisas disse...

"...Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim."
Álvaro de Campos

Anónimo disse...

isso é pioledo certo?
novo design tem o teu blog.
ta mais bonito e simples...