terça-feira, maio 26, 2009

Memórias

Tenho andado a rever fotos. Talvez por uma certa nostalgia, porque a distância multiplica a vontade de ver estas pessoas, as suas caras, os seus sorrisos (porque será que só fotografamos e guardamos os bons momentos?).
Hoje passei algumas horas nesse exercício, quase masoquista, de olhar para pessoas e lugares antigos. E pude ver como algumas delas já morreram, como se modificaram esses sítios, como cresci eu entretanto, como, apesar de serem fotos sempre novas guardadas em ficheiros de computador, elas parecem ter ganho essa "aura" das fotos antigas. Preferia o papel de fotografia a amarelecer levemente nos cantos, mas aqui só o mundo virtual me permite recordar o passado. E é a ele que me agarro, é ele que me arranca sorrisos cúmplices, é em frente deste ecrã que vou chorando.
Muitas das fotos que vi hoje tocaram-me. Porque as memórias destes momentos estavam bem guardadas, à espera de um qualquer símbolo-gatilho, que as fizesse explodir de novo, bem ao centro do meu peito.

Revi os cafés às escondidas, as saídas para namorar, a tarde de praia em que ninguém soube de mim, os primeiros fins-de-semana sozinha, a gozar da minha liberdade, concertos, jantares, noites de festa, sorrisos inesquecíveis de pessoas a quem queria tanto.
Lembrei o jeito da minha avô de mão na anca, a família toda em festa "por minha causa", o meu avô em pose dura, a disfarçar o sorriso que se lhe desenhava nos lábios, o tio-padre que me roubava a boina quando o visitava, as pessoas que me viram crescer, e o início da vida de uma nova geração, sorrisos cheios de chocolate, birras à hora do lanche, risadas marcadas fundo nas fotos, como só eles conseguem rir e fazer sorrir.
Voltei às minhas viagens à socapa pelo país fora, às vezes com a cumplicidade dos irmãos, outras vezes completamente sozinha, aos regressos tardios a casa, sem fazer barulho, às fugas da Bila para limpar os olhos, revi o Alvão desde Montezelos, aquelas luzes tão brilhantes, a Régua no cafézinho depois de jantar, os serões a estudar no café e a pedir por Deus que me distraíssem, que eu só queria conversar, o conforto de milhentas mensagens de telemóvel que iluminavam as horas menos boas.
Ao olhar assim o passado, condensado nesta meia dúzia de centimetros de uma memória externa, o futuro parece-me um lugar estranho. Sei que nada será como antes, faltas tu, tu, vocês, este lugar, aquele hábito, o outro horário, mas quero ver no lugar de tudo isso a esperança de que virão mais dias bons.
Sei que aí, sentada no futuro, de olhos postos neste mesmo ecrã, verei os momentos cristalizados deste ano que vai quase no fim, e pensarei o mesmo.
Assim se vai construindo a minha vida, escada a escada, memória a memória. Já há muito que não escrevia, pelo menos como exercício de exortação dos meus fantasmas, ordenar o que sinto de forma a que tudo pareça mais simples. É um dia de exercícios dolorosos, hoje. E isso não faz dele um dia doloroso, antes pelo contrário.

1 comentário:

Brida disse...

vais, sem dúvida que vais no futuro olhar para o ano passado, para o presente e para os que hão-de vir. e vais-te surpreender por não te lembrares assim de repente de tantas das coisas que julgaste que nunca conseguirias esquecer. assombroso o tempo que passaste sem pensar nelas (o tempo que se encarrega de lhes dar a devida importância). e vais-te lembrar, mesmo sem fotos, de outras coisas fúteis. e vais chegar à conclusão de que os lugares das fotos estão diferentes, as pessoas estão diferentes, mas principalmente tu estás diferente. e se calhar por vezes vais desejar que tudo fosse como foi em determinado dia, como tinha sido em determinada altura. e vais encontrar muitas coisas que perderam o sentido. e sentir saudades de tudo o que perdeste no caminho. e sentir que vais tentar, no resto da tua vida, criar um sentido novo para as coisas que ficaram. (desculpa o mood, esta altura põe-me assim....)